A ‘flexibilidade tropical’, materializada em adaptações, gambiarras e inventividades, é o que garante a sobrevivência do trabalhador e o lucro da empresa.
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A ‘flexibilidade tropical’, materializada em adaptações, gambiarras e inventividades, é o que garante a sobrevivência do trabalhador e o lucro da empresa.
Notas:
_ por Callum Cant – twitter: @CallumCant1
_ publicado em 03/10/2020 por Novara Media em https://novaramedia.com/2020/10/03/the-frontline-of-the-struggle-against-platform-capitalism-lies-in-sao-paulo/
_ traduzido livremente
A linha de frente da luta de classes no capitalismo de plataforma está agora em São Paulo. Mais precisamente, encontra-se no ponto exato onde a Ponte Estaiada atravessa o Rio Pinheiros, que divide a zona sudoeste da cidade. Foi lá, em 1º de julho de 2020, que milhares de motoboys da cidade montaram um bloqueio como parte da maior greve de aplicativos de plataforma de entrega de comida da história.
São Paulo é uma extensa megacidade com mais de 12 milhões de pessoas, a maior do hemisfério ocidental. Em 2013, tinha dez bilionários residentes – mas para o resto da população da cidade, a vida parece muito diferente. Para os muitos residentes de favelas e cortiços de São Paulo, uma combinação de pobreza, superlotação e colapso do bem-estar social está intensificando os impactos da pandemia. À medida que a taxa de desemprego na cidade aumenta para 12%, mais e mais pessoas têm sido empurradas para fora do emprego, inflando o excedente urbano populacional.
É exatamente a partir desse excedente que as plataformas recrutam a maior parte de sua força de trabalho. Milhares de novos desempregados tornaram-se motoboys. Muitas vezes sujeitos ao preconceito racial no mercado de trabalho e vivendo em condições precárias nas margens da cidade, essa força de trabalho periférica viaja para o centro todos os dias para trabalhar em plataformas de entrega de comida como iFood, Uber Eats, Loggi, Rappi e 99 Food em estradas perigosas por menos de U$ 2 por hora.
O aumento no número de pessoas que trabalham para as plataformas significa que mais trabalhadores estão competindo pelo mesmo número de entregas. Com as plataformas dominantes pagando pelo número de entregas concluídas – ao invés do número de horas trabalhadas – o aumento da competição entre os trabalhadores significou um massivo corte na renda desses. É uma história que tem se repetido inúmeras vezes no capitalismo de plataforma e, como sempre, conflitos logo surgiram.
A greve de julho foi desencadeada por uma forma muito contemporânea de luta: um vídeo de selfie, transmitido de entregador para entregador pelo WhatsApp. Um motoboy conhecido como Galo filmou a si mesmo expressando os problemas enfrentados pelos motoboys. Ele havia sido recentemente desativado por uma das plataformas de entrega de comida para a qual trabalhava e queria responder. O clipe viral se espalhou pelas redes sociais e por grupos de entregadores e, em pouco tempo, uma greve selvagem visando todas as plataformas de entrega de comida em operação na cidade estava prestes a acontecer. Suas demandas centrais eram: aumento das remunerações, fim das desativações injustas de contas e apoio das diversas plataformas de entrega para trabalhadores que contraíram coronavírus.
Em São Paulo, a Vice informou uma participação histórica de 5.000 entregadores de plataformas. Os grevistas se reuniram em enormes comboios e bloquearam pontes e shoppings para interromper a circulação de mercadorias e pessoas pela cidade. Notícias da iminente greve também se espalharam para outros motoboys que trabalham para as mesmas plataformas em todo o continente, com paralisações no dia 1º de julho sendo relatadas no México, Chile, Argentina e Equador.
Essa é uma história que guarda profundas semelhanças com as lutas dentro do capitalismo de plataforma que têm ocorrido na Europa. Há um certo arco narrativo que se repete continuamente: uma mudança nos pagamentos ou nas condições de trabalho levam alguns trabalhadores à decisão de que já estão fartos. Eles começam a catalisar um processo mais amplo de mobilização. Segue-se uma rápida auto-organização por meio dos grupos de conversa criptografados, e é feita uma decisão de tomar ação direta contra a plataforma, geralmente entrando em greve.
A natureza informal dessa ação significa que sindicatos e partidos são amplamente evitados quando a luta aflora, e as expressões políticas que emergem da greve variam em tom do revolucionário ao reacionário. Por causa da abrangência transnacional das plataformas para as quais trabalham e das condições profundamente semelhantes entre as fronteiras nacionais, esses trabalhadores auto-organizados muitas vezes acabam fazendo conexões transnacionais com trabalhadores em outras cidades. Seus grupos de conversa se expandem do intra-metropolitano para o intra-continental.
As próprias greves são caracterizadas por bloqueios e ações diretas disruptivas nas ruas da cidade, e as reinvidicações expressas por meio delas giram em torno de ambas demandas por flexibilidade do autônomo e pela segurança do trabalhador. E, infelizmente, assim que essas instâncias de militância surgem, elas começam a se deteriorar à medida que os processos de auto-organização que as produziram se desintegram e não conseguem encontrar uma forma durável. Foi exatamente o que aconteceu em São Paulo, com uma tentativa de greve em 25 de julho contando com níveis de participação significativamente menores.
Existem, é claro, diferenças contextuais. O trabalho nas plataformas no sul global parece menos o produto final de um rápido colapso na relação de emprego formal e mais uma ampliação de uma esfera já em expansão de trabalho informal. Mas as dimensões fundamentais da luta são notavelmente semelhantes mesmo em contextos nacionais muito diferentes. Existe uma experiência transicional compartilhada de trabalho e luta entre motoboys no Brasil e entregadores nas ruas de Londres, Bristol e Manchester. Como sempre, o desafio enfrentado pelo movimento dos trabalhadores de plataformas é como transformar essas lutas de incidentes pontuais em uma campanha consistente.
O futuro do trabalho será definido por este problema: como transformar insurreições contra o poder das plataformas em um movimento dos trabalhadores voltado diretamente ao próprio modo de produção.
No Reino Unido, o movimento dos trabalhadores de plataformas diminuiu de tamanho desde seu pico em 2018. Mas as lutas continuam: ao longo de setembro, os trabalhadores organizados da Deliveroo, juntamente ao IWGB em York, fizeram piquetes contínuos nas lanchonetes da rede Five Guys para protestar contra o tempo excessivo de espera. Agora, a Deliveroo anunciou sua intenção de “contratar” mais 15.000 trabalhadores somente no Reino Unido – o que significa que o número de trabalhadores da Deliveroo terá dobrado somente em 2020, de 25.000 para 50.000. Podemos esperar que o segmento de nosso novo excedente pandêmico – os trabalhadores de cuidados e comércio expulsos dos centros das cidades – se verá absorvido pelo circuito em expansão do capital de plataforma. Mas para as plataformas, como os motoboys de São Paulo mostraram, o recrutamento não é um processo isento de riscos.
À medida que a proporção da classe trabalhadora posta para trabalhar em plataformas continua a se expandir, os padrões de mobilização nesse setor antes marginal continuam a crescer em importância. Mas a impermanência das estruturas orgânicas desenvolvidas pelos entregadores durante greves e conflitos é uma barreira significativa para eles, desempenhando um papel central em um renascimento mais amplo do movimento dos trabalhadores.
Callum Cant é o autor de Riding for Deliveroo: Resistance in the New Economy.
Notas:
Em 19 de julho completaram-se 84 anos do início da Revolução Espanhola. Abaixo segue um recorte sintético da organização econômica descentralizada do período revolucionário compreendido entre julho de 1936 e junho de 1937.
Trecho do ensaio “Como uma economia anarquista poderia funcionar”, escrito por Lucien van der Walt em 1998. Disponível em https://theanarchistlibrary.org/library/lucien-van-der-walt-the-collectives-in-revolutionary-spain
Traduzido livremente.
OS COLETIVOS NA ESPANHA REVOLUCIONÁRIA
A Revolução Espanhola começou após um fracassado golpe fascista do general Franco em 18 de julho de 1936. O golpe, patrocinado por setores conservadores do grande capital e da Igreja, fracassou na maior parte da Espanha por conta da resistência armada dos operários e camponeses, que estavam organizados principalmente pelo gigantesco sindicato revolucionário anarco-sindicalista, a Confederación Nacional del Trabajo (CNT). “Poucas horas após o ataque de Franco, operários e camponeses anarquistas assumiram o controle direto sobre terras rurais, cidades, fábricas e redes de transporte e serviços sociais” (Breitbart 1979a: 60; Geurin 1970: 130-1). Esse êxito foi o resultado direto da força da massa operária e camponesa anarco-sindicalista (Amsden 1979; Breitbart 1979a), entre os quais, como notou um observador alemão, “o problema da revolução social foi discutido de maneira contínua e sistemática em seus sindicatos e reuniões de grupo, em seus documentos, panfletos e livros” (citado em Geurin 1970: 121). A C.N.T., que sem dúvida liderou o apoio à maioria dos operários e camponeses, definiu seu objetivo como “comunismo libertário”, um programa definido em grandes detalhes em seu Programa de Saragoza, de maio de 1936. Questões de espaço impedem uma discussão sobre este e outros documentos da C.N.T., mas é suficiente dizer que a C.N.T. permaneceu diretamente estrita na tradição do anarco-comunismo descrita acima (para discussões sobre esse programa, veja Geurin 1970: 121-6; Guillen 1992: 8-11).
Pelo menos dois mil coletivos rurais autogestionados foram formados, mais de quinze milhões de acres de terras expropriados entre julho de 1936 e janeiro de 1938, e entre sete e oito milhões de pessoas foram direta ou indiretamente afetadas pela coletivização em quase 60% da área terrestre da Espanha afetada por esse processo (Breitbart 1979a: 60). A coletivização era voluntária e, geralmente, seguia-se a uma reunião da aldeia, na qual era tomada a decisão de agrupar lotes e instrumentos de produção camponeses e terras tomadas dos latifundiários em uma única unidade de produção. Artesãos, barbeiros e outros trabalhadores não-agrícolas também foram agrupados em coletivos (Geurin, 1970). Dentro desta unidade, o terreno foi dividido entre equipes de trabalho (brigada) de dez a quinze pessoas em uma base técnica. Dentro da brigada, tarefas menos agradáveis foram rotacionadas e compartilhadas, e cada pessoa incentivada a executar as tarefas pelas quais tinha competência especial (Breitbart 1979b; Geurin 1970). Comitês de gestão com rotação regular de membros eram eleitos para supervisionar as atividades econômicas e sociais de cada coletivo, e assembléias gerais mensais de membros trabalhadores e não-trabalhadores eram realizadas para revisar os planos de produção, avaliar o progresso e redesenhar os estágios da produção (Breitbart 1979b; Geurin 1970). No geral, nenhuma tarefa recebia maior importância sobre outras, nenhum membro do coletivo era pago por realizar trabalho administrativo: na maioria dos coletivos, o pagamento era feito de acordo com a necessidade: todos os membros do coletivo tinham garantia de comida, roupas e abrigo (Breitbart 1979b). Esses produtos foram disponibilizados por meio de comitês eleitos de consumidores que organizaram o fornecimento e a distribuição de bens através de “armazéns cooperativos”, muitos dos quais situados em igrejas antigas. Igrejas, conventos, antigos quartéis do exército e mansões eram geralmente transformados em escolas, cinemas, bibliotecas, garagens, casas ou hospitais de idosos (nenhum dos quais anteriormente era comum no campo) (Breitbart 1979b). A educação era gratuita e obrigatória para todas as crianças menores de 14 anos (Geurin 1970).
A maioria das aldeias coletivas foi capaz de melhorar o padrão de vida de seus membros, e esforços intensos foram feitos na maioria dos casos para aumentar a produção (Breitbart 1979b). Isso costumava ser realizado com bastante sucesso, pois as terras anteriormente devolutas eram cultivadas, os rebanhos aumentados, medidas de conservação introduzidas (como rotação de culturas e plantio de árvores para evitar a erosão do solo) e, com a ajuda de técnicos e agrônomos, novas ou melhores técnicas agrícolas aplicadas (por exemplo, a irrigação foi largamente expandida, a criação seletiva de gado foi desenvolvida e os viveiros de árvores foram estabelecidos) (Breitbart 1979b). Em alguns casos, as colheitas aumentaram em até cinco vezes comparadas ao nível anterior à Revolução (Breitbart 1979b: 89). Novas indústrias – como processamento de alimentos, produção de papel e fabricação de sabão – também foram introduzidas ou ampliadas nas áreas rurais, a fim de aumentar sua autossuficiência (Breitbart 1979b).
A produção foi planejada, e atenção especial conferida a fatores como as necessidades dos operários e da milícia dos trabalhadores (que mantinha a frente contra as tropas de Franco) (Breitbart 1979b). Em contraste com a noção de que os coletivos estavam isolados e competiam entre si, várias grandes federações regionais de coletivos, compostas por vilas, distritos e províncias, foram formadas entre julho de 1936 e junho de 1937: dentre essas estão a Federación Regional de Campesinos de Levant, a Federación Regional de Campesinos de Castela e o Concilio de Aragon (Breitbart 1979b; Geurin 1970). Essas federações contribuíram para facilitar a transferência de mercadorias dentro e entre os distritos coletivizados, e entre os coletivos rurais e as cidades. Os delegados de cada coletivo enviavam registros de importações e exportações para um mantenedor de registros da região, o que permitiu a sincronização da produção e distribuição nas zonas coletivizadas; dentro do distrito local, os bens excedentes eram transferidos entre vilas ou usados para o comércio com a região maior (uma forma de fundo de equalização); a federação como um todo ajudou a organizar a coordenação da produção entre os coletivos, e as transferências de produtos rurais para as áreas urbanas em troca de produtos como máquinas; as estruturas federadas também permitiram o fornecimento de serviços de saúde aos distritos mais pobres e a organização de equipes de pesquisa para aconselhar os coletivos sobre novas técnicas agrícolas (Breitbart 1979b). Ligações de reciprocidade foram estabelecidas entre os coletivos, o sistema de transporte foi correspondentemente renovado, enquanto as linhas ferroviárias foram colocadas sob o controle do Sindicato Nacional das Ferrovias da C.N.T. (veja abaixo a discussão sobre o controle dos trabalhadores na indústria) (Breitbart 1979b).
Assim, “a propriedade comunal da terra e a eliminação das classes em áreas anarquistas após julho de 1936, substituíram a propriedade privada da terra e as hierarquias de poder capitalistas ou feudais por um sistema altamente eficiente e integrado de autogestão e produção cooperativa” (Breitbart 1979b: 93). No entanto, a revolução não se limitou às áreas rurais: os trabalhadores urbanos (“operários”) implementaram “uma das experiências mais longas e extensivas completamente realizada pelos trabalhadores da produção industrial” na história, reestruturando a vida econômica e social em torno de sindicatos (Amsden, 1979, p. 99). Uma compreensão da extensão da coletivização é proporcionada por uma observação contemporânea de que “ferrovias, bondes e ônibus, táxis e entregas, empresas de luz e energia elétrica, usinas hidráulicas e de gás, fábricas de automóveis, minas e fábricas de cimento, fábricas têxteis e fábricas de papel, preocupações elétricas e químicas, fábricas de garrafas de vidro e perfumarias, plantas de processamento de alimentos e cervejarias foram confiscadas ou controladas por comitês de trabalhadores, termos que possuem para os proprietários quase igual significado” (Bolloten citado em Conlon 1986: 20-1). Ele continua: “cinemas e teatros, jornais e imprensas, lojas, lojas de departamento e hotéis, restaurantes e bares de luxo também foram seqüestrados” (ibid.). Muitas dessas indústrias eram vastas em tamanho: por exemplo, quase toda a indústria têxtil espanhola, com quase um quarto de milhão de trabalhadores espalhados por várias cidades, foi colocada sob autogestão (Flood et al 1997: 201). Segundo algumas estimativas, pelo menos 3.000 empresas foram coletivizadas na enorme cidade industrial de Barcelona (Conlon 1986: 19).
Em certo sentido, no entanto, as coletivizações urbanas eram menos abrangentes do que as ocorridas no campo. Algumas foram inteiramente controladas e dirigidas pelos trabalhadores, enquanto em outras, os trabalhadores se restringiram ao estabelecimento de “comitês de controle” com poder de veto sobre os gerentes capitalistas (Amsden 1979; Conlon 1986). De um modo geral, as unidades mais autogestionadas tendiam a ser aquelas em que o sindicato majoritário fazia parte da C.N.T.; as unidades baseadas em “comitês de controle” eram frequentemente redutos da Unión General de Trabajadores (U.G.T.), de um sindicato social-democrata ou de subsidiárias de empresas estrangeiras. Nas fábricas autogestionadas a coletivização total implicava uma interrupção dos vínculos vitais com a empresa-mãe; assim a unidade básica de tomada de decisão era a assembleia dos trabalhadores, que por sua vez elegia um comitê de delegados de cada seção da fábrica para supervisionar o dia a dia da empresa (Flood et al. 1997; Geurin 1970). Os comitês de trabalhadores também costumavam incluir vários especialistas técnicos. As funções desses comitês incluíam o tratamento de questões financeiras, a coleta de estatísticas, a correspondência e a ligação com outras fábricas e a comunidade (Flood et al 1997).
Novamente, como foi no caso da agricultura, a autogestão foi associada a melhorias notáveis nas condições dos trabalhadores, na produtividade e na eficiência. Assim, os trabalhadores catalães conseguiram restaurar os serviços de água, energia e transporte através de comitês de trabalhadores mesmo antes que as batalhas urbanas contra os franquistas chegassem ao fim (Amsden 1979: 104). Os bondes foram parcialmente danificados pelos combates em Barcelona e, portanto, houve um atraso maior nessa área. No entanto, o Sindicato dos Transportes da C.N.T. (o sindicato majoritário dos trabalhadores dos bondes) nomeou imediatamente uma comissão para inspecionar os trilhos e elaborar um plano de reparo (Conlon 1986). “Cinco dias após o fim dos combates, 700 bondes, em vez dos habituais 600, todos pintados nas cores vermelha e preta da C.N.T., estavam operando nas ruas de Barcelona” (Conlon 1986: 20). O número de acidentes foram reduzidos nos meses subsequentes, enquanto as tarifas foram reduzidas e o número de passageiros transportados cresceu: em 1936 os bondes transportaram 183.543.516 passageiros; em 1937, 50.000.000 de pessoas a mais foram transportadas (Conlon 1986: 20). Os salários dos trabalhadores foram aumentados e equalizados, cuidados médicos gratuitos disponibilizados e os trabalhadores dos bondes também começaram a produzir foguetes e obuses para o esforço de guerra. Da mesma forma, os trabalhadores da fábrica Hispano-Suiza de carros de luxo entregaram as linhas à produção de guerra, com quinze carros blindados produzidos para a frente nos sete dias seguintes ao início da reestruturação (Amsden 1979). Exemplos semelhantes de reestruturação sob controle dos trabalhadores em outros setores são abundantes (Amsden 1979; Conlon 1986; Flood et al 1997; Guillen 1992).
Claramente, o processo de coletivização na Espanha revolucionária indica que os objetivos de fim das classes, autogestão dos trabalhadores, distribuição de acordo com as necessidades e planejamento econômico democrático eram realizáveis e compatíveis com eficiência econômica, inovação, aumento de produção e até preocupações ecológicas. Isso não significa que erros não foram cometidos. Em primeiro lugar, a coordenação econômica entre coletivos foi aplicada de maneira desigual. Isso ficou especialmente evidente na indústria, onde inicialmente houve poucas tentativas de coordenação para além do local de trabalho, e várias empresas começaram a vender produtos no mercado de uma maneira que lembra fortemente o mutualismo de Proudhon (Flood et al 1997; Geurin 1970). Várias soluções foram aplicadas: uma era para os coletivos continuarem operando no mercado, mas sob a orientação do sindicato do setor, que procuraria minimizar os efeitos negativos dessa situação; outra abordagem era unificar indústrias inteiras através do amparo dos sindicatos, o que proporcionaria uma estrutura organizada para vincular os comitês de trabalhadores a um processo democrático de planejamento (Flood et al 1997). Esta última opção foi semelhante ao processo de federação regional no campo. No entanto, nenhuma dessas soluções foi totalmente satisfatória: a primeira falhou em transcender a forma do mercado e, em vez disso, se transformou em uma forma de “capitalismo operário” (como muitos militantes apontaram); no segundo modelo, a coordenação ocorreu, na melhor das hipóteses, no nível da indústria ou região rural e, consequentemente, não forneceu um veículo adequado para o planejamento abrangente e, portanto, a plena realização do socialismo libertário.
Assim, o fracasso final dos coletivos foi a falta de unidade em nível nacional; o sistema financeiro, em particular, não foi socializado, enquanto o próprio Estado (não-franquista) continuou a existir. O Estado capitalista e os órgãos de autogestão operário-camponesa logo entraram em conflito. Uma série de decretos projetados para colocar os coletivos sob supervisão estatal cada vez mais estrita foram somadas às tentativas de sabotar seu funcionamento, que incluíam interrupções deliberadas das trocas urbano-rurais e a negação sistemática de capital de giro e matérias-primas a muitos coletivos (Amsden 1979; Breitbart 1979a, 1979b; Geurin 1970). Em maio de 1937, as batalhas de rua irromperam quando as tropas se moveram contra coletivos urbanos, como a central telefônica controlada pela C.N.T. em Barcelona (Breitbart 1979a, 1979b; Conlon 1986; Geurin 1970). Em agosto de 1937, Aragon foi invadida militarmente, destruindo completamente trinta por cento dos coletivos e dissolvendo à força o Concilio de Aragon; ataques semelhantes foram lançados mais tarde no Levante, em Castela e nas províncias de Huesac e Terule (Breitbart 1979a, 1979b; Conlon 1986; Geurin 1970). Em agosto de 1938, todas as indústrias relacionadas à guerra foram colocadas sob controle total do governo (Geurin, 1970). Em todos os casos em que os coletivos foram afetados, houve quedas substanciais na produtividade e no moral: um fator que certamente contribuiu para a derrota final da República Espanhola pelas forças franquistas em 1939 (Breitbart 1979b; Conlon 1986; Geurin 1970).
No entanto, deve-se notar, em conclusão, que o fracasso dos anarco-sindicalistas em instituir o socialismo libertário em nível nacional não refletia uma incapacidade ou falta de vontade de se organizar em nível nacional (“ambivalência ao terrível enigma do poder estatal”) ou um desejo de retornar a uma “economia de escambo” (!!), como afirma Amsden (1979: 100, 102). Pelo contrário, o Programa de Saragoza da C.N.T. apelou tanto à federação nacional das associações de operários e camponeses, bem como a um Conselho de Defesa controlado pelos trabalhadores em nível nacional para coordenar a defesa militar da revolução (Guillen 1992; Wetzel 1987). Seu fracasso em instituir o socialismo libertário total não foi, portanto, o produto de lacunas e confusão no programa dos anarco-sindicalistas, mas sim a conseqüência lógica de uma tentativa dos anarco-sindicalistas de cooperar com o governo republicano contra a aparente maior ameaça de Franco – uma decisão tática que contradiz todos os princípios anarco-sindicalistas (Conlon 1986; Geurin 1970; Guillen 1992). No entanto, as auto-limitações aceitas pelos anarco-sindicalistas como um meio de tornar possível essa aliança tática profana não impediram, como vimos, o governo republicano de se mover contra os anarco-sindicalistas assim que a oportunidade se apresentou. Guillen resume as lições dessa experiência da seguinte forma: “a revolução social libertária sofre um dilema: ou é realizada imediata e totalmente, acima e abaixo, ou é perdida para o poder do Estado e para seus apoiadores burocráticos e burgueses. O poder social libertário deve substituir e destruir o estado explorador e opressivo”(1992: 25-6).
CONCLUSÃO
Este artigo procurou examinar se existe um futuro para o socialismo. O efeito da dupla crise da social-democracia e do leninismo tem sido deslegitimar o projeto socialista aos olhos de muitos. É nesse contexto que procurei reafirmar o caso contra o mercado, argumentando que é um sistema indefensável de exploração e dominação. O próximo passo no meu argumento foi examinar criticamente os vários “socialismos” atualmente ou anteriormente oferecidos como alternativas. Aqui argumentei que nem a social-democracia, nem o leninismo e nem o “socialismo de mercado” fornecem alternativas viáveis ao capitalismo. O Estado não fornece uma alternativa ao capitalismo, nem o capitalismo uma alternativa ao Estado. Ambas estruturas de organização social estão integralmente ligadas e se complementam uma a outra. Dado que nenhuma das estruturas é, como argumentei, desejável, a questão se apresenta: existe uma terceira via? Minha discussão sobre o anarco-sindicalismo – socialismo não-estatal – procurou demonstrar a coerência, viabilidade e conveniência de uma alternativa dessas. A questão que os socialistas enfrentam não deve, portanto, ser: “este é o fim da história?”. Em vez disso, o desafio é redescobrir e aprender com uma parte importante da história socialista, a rica e historicamente justificada tradição do anarco-sindicalismo.
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Confinado em um quarto austero, “desconfortável para viver mas aconchegante para morrer”, alguém flerta com a morte e por ela é rejeitada. O descompasso entre a melodia quase dançante e o vocal-letra mórbido se encaixa bem com os tempos de pandemia; um presságio para uma música lançada no final de 2019?
Ainda que não gostem de serem confundidos com os russos, o Belarus (“Rússia branca”) espelha diametralmente seu vizinho: camufla uma autocracia personalista e alimenta mitos nacionalistas, tal como a URSS no idos de Chernobyl.
Pior ainda é o temor de um geográfo brazuca, involuntariamente retido num fechamento de fronteiras para uma pandemia negada (outra contradição): mais medo do surto nas terras tropicais do que nos pântanos do leste…
Talvez seja uma provocação do Molchat Doma (Молчат Дома) cantar em russo.
No final do mês passado, quando o coronavírus continuou a se espalhar pelo mundo, o Programa Mundial de Alimentos (WPF, na sigla em inglês) alertou para uma “pandemia de fome”. Com os isolamentos e bloqueios restringindo a renda dos pobres e interrupções na cadeia de suprimentos impedindo que os alimentos cheguem aos consumidores, a fome e a desnutrição relacionadas à pandemia podem eventualmente levar mais vidas do que a própria doença. Compreender a geografia da pandemia e a vulnerabilidade de diferentes sistemas alimentares é fundamental para uma resposta bem informada.
Segundo o Programa Mundial de Alimentos, existem agora 821 milhões de pessoas no mundo que dormem famintas todas as noites, e mais 135 milhões enfrentam níveis críticos de fome ou inanição. Esse último número pode dobrar para quase 265 milhões no final do ano por causa do COVID-19.
Embora a fome global tenha diminuído nas últimas décadas, a tendência se reverteu alguns anos atrás, quando os níveis de insegurança alimentar começaram a subir novamente, com conflitos militares em muitas regiões e recentes infestações de gafanhotos na África Oriental sendo alguns dos principais fatores. Como tal, os problemas de segurança alimentar relacionados ao coronavírus estão no topo das tendências mundiais já preocupantes.
Ao avaliar os impactos do COVID-19 na segurança alimentar global, é importante considerar como a pandemia está afetando a produção e distribuição de alimentos, bem como a capacidade das pessoas de comprar ou adquirir alimentos. Além disso, líderes e políticos precisam entender o padrão espacial da pandemia e a vulnerabilidade de diferentes sistemas alimentares.
A pandemia de COVID-19 não tem se propagado pelo planeta de maneira uniforme, como tinta fresca envolvendo uma bola. Em vez disso, se espalhou desde suas origens em Wuhan, na China, para outros grandes centros urbanos bem conectados do mundo, e daí para cidades menores e finalmente para áreas rurais — um padrão conhecido como difusão hierárquica. O que isso significa é que o mundo não está enfrentando uma grande e uniforme pandemia, mas uma série contínua de surtos interconectados e espacialmente diferenciados, com diferentes inícios e dinâmicas.
Isso também significa que os moradores das cidades atingidas primeiro, geralmente conectadas globalmente e relativamente ricas, podem enfrentar as dificuldades econômicas e os problemas alimentares associados à doença de maneiras diferentes das afetadas posteriormente. Essas diferenças persistem porque as conseqüências para a segurança alimentar provocadas pela doença são condicionadas pelos sistemas sociais, econômicos e alimentares nas quais estão operando. Isso não significa necessariamente que as regiões mais ricas ou mais industrializadas estão em melhor situação, apenas que suas vulnerabilidades são diferentes.
De um modo geral, é mais provável que os países mais ricos tenham problemas com a produção de alimentos por conta da natureza de suas cadeias de suprimentos, que são complexas e concentradas. Enquanto isso, os países de baixa renda provavelmente terão problemas com o acesso a alimentos, devido às suas fracas redes de segurança social.
Produção de alimentos
Impactos no suprimento de alimentos variam de acordo com o tipo de alimento. O ano passado foi um bom ano de colheita para a maioria dos principais grãos do mundo, e os estoques são relativamente abundantes. O processamento e transporte de grãos é também relativamente menos trabalhoso do que de outros tipos de alimentos. Assim, não se espera que a escassez de grãos seja um problema nos próximos meses, a menos que alguns dos principais países produtores de grãos optem por estocar suas produções. Essa é uma boa notícia para os países importadores de grãos, incluindo muitos de baixa renda da África.
No entanto, o vírus está começando a criar problemas para a produção de frutas, legumes e carne em algumas áreas do mundo, principalmente em países de alta renda. Aqui (o autor refere-se aos Estados Unidos), grande parte da produção de frutas e vegetais é realizada pelo trabalho de imigrantes alojados em fazendas em locais próximos, tornando-os particularmente suscetíveis a surtos de COVID-19. As fábricas de processamento de carne também são especialmente vulneráveis ao coronavírus, com várias fábricas nos Estados Unidos e no Canadá sendo forçadas a fechar recentemente. A concentração corporativa na indústria de carnes ampliou o problema, porque agora existem menos fábricas, mas significativamente maiores, com trabalhadores muito adensados. Centenas de trabalhadores foram infectados em algumas instalações, levando a perdas significativas na produção de alimentos.
Os impactos do COVID-19 na produção de alimentos em países de baixa renda diferem dos de países de alta renda. A produção para consumo doméstico e para os mercados locais ainda é difundida em algumas áreas tropicais do mundo. Com cadeias de suprimentos mais curtas e produção mais diversificada, há menos chance de algo dar errado. Uma forma dessa produção mais localizada é a agricultura urbana e periurbana de pequena escala, que abastece muitas cidades dos países mais pobres com boa parte de seus produtos frescos.
As mulheres desempenham um papel central como produtoras de alimentos em muitas áreas dos trópicos, representando 70% dos alimentos produzidos na África, por exemplo. Mas as mulheres também são as principais prestadoras de cuidados em muitas dessas sociedades, o que significa que elas podem ser mais propensas a serem expostas a membros da família doentes com o COVID-19, com implicações em cadeia na produção de alimentos, cuidados infantis e nutrição infantil.
Acesso a alimentos
Os bloqueios relacionados ao COVID-19 têm sido particularmente desafiadores para os mais pobres nas áreas urbanas dos países de baixa renda, porque essas populações dependem do trabalho informal e intermitente para ganhar o dinheiro necessário para comprar comida. Além disso, muitos países de baixa renda não são capazes de fornecer uma rede de segurança social robusta às suas populações em termos de substituição de renda ou fornecimento direto de alimentos durante um bloqueio.
Isso tem levado à migração reversa, ou migração urbano-rural, em alguns países como a Índia, quando trabalhadores desempregados voltam para áreas rurais em busca de melhor acesso a alimentos. Embora isso faça sentido para os indivíduos, esses grandes movimentos de pessoas também podem espalhar a doença nas áreas rurais.
Muitas famílias em países de baixa renda também estão enfrentando declínios na renda de remessas de familiares que vivem no exterior e não podem mais trabalhar devido a bloqueios em países mais ricos. Isso restringe ainda mais o orçamento alimentar dessas famílias.
O caminho a seguir
Para enfrentar tanto os problemas de produção quanto os de acesso a alimentos, o mundo precisa de um sistema alimentar mais descentralizado. A concentração corporativa, particularmente nos países mais ricos, apenas tornou o sistema alimentar mais vulnerável a surtos de pragas e doenças. Grandes fazendas que usam métodos industriais para cultivar uma gama restrita de culturas são menos adaptáveis às mudanças nas condições do mercado. Elas também envolvem densas forças de trabalho e campos monoculturais, ambos mais suscetíveis a doenças. Além disso, a tendência para menos e maiores instalações de processamento de alimentos produz gargalos no sistema, pois mesmo uma falha em uma única fábrica pode levar a uma perda significativa na produção. As políticas que incentivam a desconcentração das indústrias de alimentos tornariam os sistemas alimentares menos vulneráveis a doenças, com o benefício adicional de que uma produção alimentar mais localizada é melhor para o meio ambiente.
Nos países de baixa renda, apoiadores e seus parceiros do setor privado também devem interromper seu esforço incansável para integrar os pequenos agricultores no sistema alimentar global. Aqui (Estados Unidos), pequenos agricultores que produzem amplamente para consumo doméstico e local estão sendo incentivados a usar mais insumos comprados — como sementes, fertilizantes e pesticidas — e a produzir para mercados regionais e globais. Isso não tem levado a melhorias na segurança alimentar e nutricional das famílias envolvidas e tornou a produção de alimentos mais arriscada devido ao aumento das chances de endividamento e maior exposição às flutuações dos preços de mercado.
Por pior que possa parecer agora, os efeitos negativos do COVID-19 na segurança alimentar global só se aprofundarão à medida que a doença se espalhar ainda mais nos países de baixa renda. Esses impactos agravarão os problemas alimentares já existentes, exacerbando a fome de maneiras que não vemos há várias décadas. A comunidade global deve responder rápida e generosamente para enfrentar a maré crescente da fome global.
Com o nacionalismo econômico e a xenofobia em ascensão em alguns países mais ricos, será difícil conseguir apoio político para uma assistência generosa e uma abordagem multilateral para combater a fome global. Mas se os políticos não são influenciados pelo argumento moral de que o direito à alimentação é um direito humano fundamental, certamente devem entender que é do seu próprio interesse defender uma maior segurança alimentar global. Afinal, a fome generalizada gera instabilidade e conflito, o que não beneficia ninguém.
traduzido livremente
publicado por William G. Moseley em World Politics Review, 12–05–20
https://www.worldpoliticsreview.com/articles/28754/the-geography-of-covid-19-and-a-vulnerable-global-food-system
William G. Moseley é professor de geografia e diretor do ‘Program for Food, Agriculture & Society’, na Macalester College em Saint Paul, Minnesota.